5.12.05

Ferida profunda

Como o churrasco seria em uma chácara, ao ar livre, aproveitei para levar o cachorro. O bichinho nunca vê mato, no máximo a grama e os tufos que conseguem vencer as pedras das calçadas. Mas como ele não obedece e sai correndo, ficou preso a uma árvore, com seus 5 metros de guia marcando o diâmetro da área em que poderia circular. Um pedacinho de carne jogado aqui, um ossinho largado ali, e ele foi fazendo a festa. De vez em quando, alguém ia até perto dele e fazia um cafuné.

Eu não vi quando o outro cachorro chegou. Estava na "casinha" fazendo xixi e escutei o choro alucinado. Terminei calmamente porque havia muita gente ali para ajudar. Se eles pensaram que eu ia ficar histérica e desvairada, estavam muito enganados. Não é porque eu adoro o cachorro que ia derrubar a "casinha" e sair correndo com a calcinha no meio dos joelhos e um pedaço de papel higiênico na mão. De mais a mais, entremeada aos gritos lancinantes, uma voz dizia "calma, calma, tá tudo bem, já passou".

Os choros diminuiram e se transformaram em gemidos carregados de dor e revolta. Digam o que quiserem, mas os cachorros também expressam raiva, tristeza, humilhação. Ele olhava desconfiado para as pessoas que o acalmavam e se encolhia todo sob as mãos que lhe alisavam o pelo molhado da baba do grande cachorro preto.

Apesar dos gritos, não havia ferimento aparente. Depois de um tempo, ele voltou a latir pelos pedacinhos de carne e a fazer festa para quem lhe desse atenção. Continuou bem a tarde toda e voltou dormindo no carro. Mas quando chegou em casa, foi para seu lugar no sofá e lá ficou. Deitado, com a cabeça apoiada nas patinhas esticadas à frente, olhava de baixo para cima com os olhinhos bem pretos e úmidos. Era o olhar de quem havia sido vítima de uma injustiça.

Não tem como saber o que ele está pensando desde o ataque do outro cachorro. Mais tarde, quando percebi que certos movimentos eram acompanhados de gemidos, examinei novamente o corpinho e encontrei a mordida. Havia um pequeno furo de um lado e um arranhão de outro. Apesar da dor física, penso que o principal machucado tinha sido no orgulho dele.

Por estar preso, não pôde se defender adequadamento do outro cachorro. Mesmo sendo um pequeno poddle, nunca teve medo de raças maiores e sempre colocou limites quando as brincadeiras ultrapassavam o ponto em que ele as considerava seguras ou agradáveis. Ser atacado por um cão maior e solto era covardia. Talvez seja por isso que seu olhar esteja transmitindo muito mais tristeza do que dor física.

O pior quando se sofre uma violência é não poder reagir. A sensação de impotência traz sérios danos ao orgulho e à auto-estima. Mesmo depois de já ter começado a cicatrizar, vejo que a ferida é muito mais profunda do que aparenta, chegou ao coração do cachorro. Ele vai se recuperar. Mas enquanto isso, anda quieto e sem graça pela casa. Ele aprendeu, de uma maneira difícil, o quanto dói uma injustiça.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pobre Ferrugem... pobrezinho....

Anônimo disse...

Li seu texto sobre sobre a jornalista da gazeta. Sinceramente, esse jornal está ruim, sempre foi carente de gente de tato para lidar com arte.
Eu não gosto de Pearl Jam, acho que eles usam um discurso falho de não se vender, que brigam por ingressos baratos. Porém, um país como o nosso, pobre... e acontece shows carissímos...os caras vem entopem o bolso com gente que se lasca para ganhar pouco.Isso é falso demais.

Adriana Baggio disse...

Olá Anônimo

Concordo que os ingressos estão caros... Mas não sei se a responsabilidade é da banda ou dos produtores. Por que eles não fazem certo o esquema da meia entrada para estudante? Essa história da lata de leite em pó é uma malandragem para cobrar inteira de todo mundo. E tem outra coisa: nosso país é pobre sim, mas é incrível como as pessoas arranjam 70 reais para ir em um show mas não investem 30 reais em um bom livro...

Dulci

Anônimo disse...

Retratando a realidade da maioria.

Mas nem todo mundo tem carteira de estudante para pagar meia entrada, tem gente que já deixou de ser estudante...
E a responsabilidade é nossa, a do público que mesmo nas tais condições "paga pra ver"...
Um dia de circo e outro de agônia.
E o pior... um bom livro ao mês
(sem ser de sebo) não se adquire com apenas R$ 30,00, 10% do salário mínimo!

Anônimo disse...

Você é muito engraçada, viu? Gosto muito. Pops. www.enviadaespecial.zip.net