20.3.07

Magoou

Eu sei, sou chata, preciosista. Pequenas coisas me irritam. Quando tem a ver com texto, então, nem se fala. Existem palavras e formas de se expressar que parecem agressivas quando são escritas. Durante a fala o tom da voz ou os gestos ajudam a interpretar o que o outro diz. Mas por escrito, fica mais difícil. Tem que tomar cuidado.

No site da Nestlé, um formulário de cadastro pede vários dados. Digito o CEP sem colocar o hífen entre os cinco primeiros e os três últimos algarismos. Preencho todos os outros campos que vêm abaixo. E quando clico em enviar, um pop up na tela me diz: “digite o CEP corretamente”.

Sinto uma frase dessas como uma bofetada na cara. Além de agressiva, é injusta. Nada de “por favor”, “por gentileza”. É uma ordem. E depois, não explicaram como eles queriam que o CEP fosse digitado. Então não podiam dizer que eu tinha digitado de forma incorreta. Senti como se tivessem dito “digite o CEP corretamente, sua burra”.

Obedientemente, voltei ao campo e experimentei colocar o hífen. Daí eles aceitaram e meu formulário foi enviado. Mas fiquei magoada. Levei bronca sem ter culpa. A Nestlé deveria ter mais cuidado na hora de aprovar os textos do seu site – mesmo os avisos de erro dos formulários.

19.3.07

Falta

- Deus sabe o que faz.

Havia mais de conformação do que certeza na enunciação da mulher.

O marido tinha morrido há duas semanas. Ela recebia a visita da cunhada e outros parentes mais jovens. A esposa do seu irmão também era viúva. Consolava a mais recente com a sabedoria e altivez de quem já passou por isso e sabe todos os caminhos, da perplexidade à falta, da depressão à aceitação, da confusão à solidão.

- O que não pode é você ficar em casa. Tem que sair, se distrair, disse à neófita.

- É. Tem, né? A gente fazia tudo junto.

Os mais jovens ouvem os relatos da morte e a retórica natural desse tipo de conversa. Palavras de ânimo, constatações, clichês indispensáveis para os momentos em que não se sabe o que falar. Tentam alcançar o momento, mas talvez ainda não tenham convivido o sufiente com a morte para contribuir. Na voz deles, as palavras de consolo são vazias, sem a cor do sentimento experimentado.

A senhora é alta, grisalha, muito digna. Sofre em silêncio, fala do morto como se ele estivesse no hospital, convalescendo. Uma dor menor, um estar perdida temporário, talvez porque ainda não caiu a ficha direito.

- Ele estava tão bem, ninguém podia imaginar. De manhã ele foi na obra da filha. Depois passou no sapateiro comprar cola. A latinha que arremata o carpê estava soltando, sabe? Então ele chegou em casa, colou a latinha e almoçou. Depois ele sentou no sofá e colocou a mão do ouvido. Se torceu um pouco, disse que tava com dor e pediu para ir na cama. Eu levei ele. Ele se encolheu mais uma vez e fez um barulho, um ronco. O rosto ficou todo preto e ele morreu.

As pessoas imaginam a cena em silêncio. Começam os murmúrios retóricos novamente. Morreu rápido. Estava em paz. Uma felicidade morrer assim, em casa, sem ficar doente. Ela concorda, aceita, tenta entender.

- A gente fazia tudo junto. Naquele dia mesmo a gente ia sair. Ele podia ter tido aquilo na rua, ter batido o carro. Deus sabe o que faz.

15.3.07

Insônia

Ela diz que é engraçado o que se pode lembrar às 4 da manhã. E ao ler sobre os barulhos da noite, eu também lembro dos medos que sinto ao acordar de madrugada.

Os estralos da grama são gotas ou passos? E aquela sombra na parede? Será que todo mundo tá bem?

Mesmo depois do fim do pesadelo, o coração ainda bate rápido. No estômago, uma sensação estranha de vazio e cheio ao mesmo tempo. Tento focar as idéias como se o cérebro fosse um retroprojetor, para que as transparências fiquem nítidas na tela. Passou muito tempo ou só alguns minutos?

Se dou sorte de dormir de novo, recebo a manhã com alívio. A noite levou os barulhos, os medos, os sobressaltos. A noite realmente é um mundo à parte, onde nem sempre as coisas estão como devem estar.

Ainda bem que os monstros não são visíveis à luz do dia.

14.3.07

Os Diogo Mainardis piorados

Não consigo entender como algumas pessoas acham que podem falar o que querem, sem medo das conseqüências. E olha que eu vivo rodando a baiana por aí, 99% das vezes com razão.

Mesmo assim, depois que a raiva passa, dá um frio na barriga, medo de ter sido injusta, desequilibrada, preconceituosa.

Um medo que esse cara aqui não teve, ao falar mal das produções publicitárias de Santa Catarina. Nem esse outro, ao criticar (sem consistência e sem propor uma solução concreta) as agências below-the-line.

Talvez algumas pessoas se achem Paulo Francis – que podia falar mal do que quisesse, mas tinha talento, personalidade e atitude suficiente para isso.